segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

ASPECTOS HISTÓRICO-LEGAIS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA BRASILEIRA

 

A primeira instituição oficial alusiva à educação especial implantada no Brasil, de acordo com Januzzi (2004), foi o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, inaugurado no ano de 1854, ainda durante o período imperial brasileiro, pelo imperador D. Pedro II, auxiliado pelo ministro do Império Couto Ferraz, sendo que em 1981 passou o citado instituto a se denominar Instituto Benjamin Constant – IBC.

Avançando em nossa análise, durante os séculos XVI e XVII evidenciam-se na sociedade brasileira diversas situações de exclusão social das PD’s, aquela promovendo práticas sociais de discriminação para com essas. Foram séculos em que a ignorância e rejeição à PD eram praxe das suas próprias famílias, das escolas, enfim, de toda a sociedade brasileira, que relegavam a PD a uma situação de extremo preconceito e exclusão social.

Dessa forma, as PD’s em geral eram tratadas como verdadeiros doentes anormais, sendo internados em manicômios, orfanatos, prisões e lugares afins, sendo que “[...] na antiguidade as pessoas com deficiência mental, física e sensorial eram apresentadas como aleijadas, mal constituídas, débeis, anormais ou deformadas” (Fernandes, 2005, p.25).

Com o passar do tempo, nos séculos XVIII e começo do XIX, vive-se na sociedade brasileira a fase da “institucionalização especializada”, onde as PD’s continuavam a ser segregadas do convívio social, mas eram confinadas em suas próprias residências, sendo oferecida a elas uma espécie de educação extraescolar, com a desculpa de “proteger” a PD da maldade da sociedade, excluindo-a do contato com as demais pessoas. Consoante Batista (2006), ao mesmo tempo em que surgia a necessidade de escolarização entre a população, a sociedade passa a conceber o deficiente como um indivíduo que, devido suas limitações, não podia conviver nos mesmos espaços sociais que os “normais” – deveria, portanto, estudar em locais separados e só seriam aceitos na sociedade aqueles que conseguissem agir o mais próximo da normalidade possível, sendo capazes de exercer as mesmas funções. Marca este momento o desenvolvimento da psicologia voltada para a educação, o surgimento das instituições privadas e das classes especiais.

Começam a surgir a partir do início do século XX, ainda que de forma incipiente, diversos movimentos sociais, políticos e educacionais, estudiosos, associações e conferências aprofundam as discussões, problematizando os aspectos acerca da inclusão socioeducacional das PD’s, resultando em reflexões diante das práticas educacionais. Assim, conforme expõe Jannuzzi (2004, p. 34):

 

A partir de 1930, a sociedade civil começa a organizar-se em associações de pessoas preocupadas com o problema da deficiência: a esfera governamental prossegue a desencadear algumas ações visando à peculiaridade desse alunado, criando escolas junto a hospitais e ao ensino regular, outras entidades filantrópicas especializadas continuam sendo fundadas, há surgimento de formas diferenciadas de atendimento em clínicas, institutos psicopedagógicos e outros de reabilitação.

 

Nesse ínterim, surgem alguns movimentos sociais de luta contra a discriminação com relação às PD’s, visando a uma sociedade mais inclusiva e justa socialmente, gerando críticas sobre as práticas segregadoras da época, rendendo questionamentos aos tradicionais modelos de ensino ainda em prática e que resultavam em exclusão socioeducacional das PD’s em geral. De acordo com Aranha (1996, p. 15), as principais contribuições se deram pelos seguintes movimentos:

 

·                Centros Populares de Cultura (CPC), que surgem em 1961, espalhando-se por todo o Brasil entre 1962 e 1964; 

·                Os Movimentos de Cultura Popular (MCP) aparecem no ano de 1960, contando com o educador e filósofo Paulo Freire, ícone da educação como direito social no Brasil e no mundo;

·                O Movimento de Educação de Base (MEB), criados em 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB.

 

Em 1964 o golpe militar desarticula esses movimentos, considerando-os subversivos e punindo seus respectivos lideres. Os MEB foram os únicos que continuaram, mas tiveram que mudar a direção de suas atividades e diminuir suas ações.

Entretanto, ainda na década de 60, é promulgada a primeira LDB brasileira, a lei 4.024/61, denominada Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, trazendo em seu bojo textual que os “excepcionais” tinham o direito à educação, preferencialmente integrados no sistema geral de ensino público. De acordo com o Título X (LDBN/1961):

 

A educação dos excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade (...) toda iniciativa privada  considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudos, empréstimos e subvenções.

 

Devido a essas previsões legais da LDB/61, se de um lado constava a integração de todos os alunos com deficiência no sistema educacional público, de outro a citada Lei impunha o incentivo às iniciativas privadas que visassem à inclusão dos alunos com deficiências. Tal fato denota um viés contraditório da LDB/61, distanciando o que estava constante na Lei e o que se observara na realidade social da época, período em que não se efetivaram as políticas públicas de acesso universal à educação, continuando no campo educacional as políticas especiais que tratavam de forma segregatória os alunos com deficiência. 

Na década seguinte, temos a promulgação da nossa carta magna, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde se aborda o direito à educação da seguinte forma: Em seu Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo III (Da Educação, da Cultura e do Desporto), Seção I (Da Educação), nos Artigos 205, que aborda o direito de todos os cidadãos à “Educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício e sua qualificação para o trabalho” (grifo nosso); e 208, inciso III, onde encontramos que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de “atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Definidas as deficiências, consoante a Lei 7.853, temos importante texto que visa à inclusão social das pessoas com necessidades educacionais especiais estabelecendo normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais mesmas, visando sua efetiva integração social. Em seu Artigo 2º, estabelece-se que os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos desta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas na área da educação:

 

a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios;

b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas;

c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino;

d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência;

e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino.

 

Em relação a Libras (Língua Brasileira de Sinais), promulgou-se a lei 10436/02, que é a lei que a regulariza e reconhece como um sistema linguístico, com a sua própria estrutura gramatical, sendo a mesma de natureza visual-motora, originada da comunidade de pessoas surdas do Brasil. A mesma ainda destaca as responsabilidades do poder público, da saúde e do sistema educacional, cada um com o seu papel. O primeiro, de divulgar e expandir a Libras, o segundo em atender e promover tratamento adequado ao deficiente auditivo e o terceiro, em agenciar o processo de inclusão fornecendo nos cursos de ensino médio e superior a modalidade Libras a profissionais da educação, constituindo a Libras como disciplina obrigatória em todos os cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia. A Lei ainda obriga entidades públicas e privadas a oferecer acessibilidade em Libras, inclusive na internet.

Outras leis nacionais também abrangem a inclusão das PD’s, como o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA (Lei nº 8069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDBEN (Lei nº 9394/96), embora de forma mais difusa e genérica.

Em relação aos instrumentos legais inerentes à construção de uma sociedade inclusiva no âmbito internacional e das quais o Brasil é signatário, cujos decretos já foram promulgados, podem ser arrolados como documentos orientadores da implantação e implementação de políticas públicas adequadas ao processo de inclusão social das PD’s a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), Declaração de Jomtien (1990), Declaração de Salamanca (1994), Convenção da Guatemala (1999), Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – ONU (2006), ratificada no Brasil pelo decreto nº 6949/2009, dentre outras. Essas, têm como princípios:

a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;

b) A não-discriminação;

c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;

d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;

e) A igualdade de oportunidades;

f) A acessibilidade (inclusive através das TAI’s e internet).

Todas essas legislações e fatos históricos estão relacionados com o atual cenário no tocante à inclusão socioeducacional das PD’s, conforme nos relata Cury (2002, p. 259):

 

A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas o acesso a este bem social. Por isso, declarar e assegurar é mais do que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram, que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando ele não é preservado.

 

Com o exposto, evidencia-se que a inclusão socioeducacional dos surdos advém de um processo histórico que ainda encontra-se em evolução, apesar das conquistas e avanços jurídicos, sociais e tecnológicos, urgindo a necessidade de analisarmos a inclusão dessas Pessoas Surdas no seio da sociedade, através da educação e mediante a utilização das Tecnologias Assistivas Informatizadas.

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